sexta-feira, 22 de junho de 2007

ELES PENSAM QUE SÃO "POLÍCIA".

Este artigo visa demonstrar como diversos órgãos da administração pública, tidos como “Policiais” vão em confronto com conceito de Polícia (de segurança pública) obtido em nossa constituição.

Inicialmente vale lembrar quais são os órgãos policiais de segurança pública contemplados em nossa Constituição.

O art. 144, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), dita que:

“Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da icolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I – polícia federal;

II – polícia rodoviária federal;

III – polícia ferroviária federal;

IV – polícias civis;

V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.”

Verificamos, portanto, que a nossa Constituição cita seis órgãos de segurança pública em um rol claramente taxativo, lembrando que, pelo Princípio da Legalidade Pública[1], a conduta do agente público deve estar embasada em lei, observando a(s) mesma(s).

Vele lembrar que a Constituição ainda faz menção a dois outros órgãos policiais: são eles a Polícia da Câmara dos Deputados e a Polícia do Senado Federal, citados nos art. 51, IV, e 52, XIII, respectivamente, na CRFB. Contudo, são órgãos policiais de segurança específica, atuando tão somente no local da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

O DESIPE[2] do Rio: uma Polícia “Intramuros” declarada inconstitucional.

Ao verificarmos a Constituição do Estado do Rio de Janeiro veremos que ela, no texto original, em seu art. 180 (atual art. 183) dita o que segue:

Art. 180 - A segurança pública, que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, pelos seguintes órgãos estaduais:

I - Polícia Civil;

II - Polícia Penitenciária;

III- Polícia Militar;

IV - Corpo de Bombeiros Militar.”


Ao analisarmos o art. supracitado, verificamos que o constituinte estadual estabeleceu quatro órgãos de segurança pública, sendo um diverso do que consta na CRFB, não sendo observado, portanto, o caráter residual do constituinte estadual[3] quanto ao assunto e estabelecendo, assim, mais um órgão de segurança pública a saber, a Polícia Penitenciária.

Porém, devido ao claro conflito com o rol de órgãos de segurança pública estabelecidos na CRFB o Governador do Estado do Rio de Janeiro, a época o Sr. Moreira Franco, através da Procuradoria Geral do Estado, impetrou em 1990, no Supremo Tribunal Federal (STF) Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN)[4] para ser declarada a inconstitucionalidade do inciso II e da expressão “que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais” do caput do referido art. 180, aduzindo para tanto que, como já exposto, o dispositivo contrariou totalmente o rol exaustivo dos incisos do art. 144 da CRFB, não podendo, assim, o legislador constituinte estadual criar novo órgão de segurança publica. Observa-se, também, que o legislador constituinte estadual, ao incluir tal dispositivo na Constituição do Estado do Rio de Janeiro fere claramente o Princípio da Legalidade Pública, pois o caput art. 11 da ADCT dita que “cada Assembléia Legislativa com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contando da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta (grifo nosso).

Obviamente não está sendo discutida a importância dos agentes penitenciários, sendo certo que os mesmos são de extrema importância social, principalmente no que diz respeito à segurança pública, tendo em vista que são eles os indivíduos que cuidam dos presos condenados por cometerem algum ilícito penal. O que ocorre é que houve um equívoco ao enquadrá-los na Constituição estadual como funcionários de um órgão de segurança pública, pois, como já falado, a CRFB não os enquadrou, não podendo, portanto, o poder legislativo de um estado federado o fazer.

Possuindo como relator o então Ministro do STF Exmo. Sr. Octavio Gallotti, a ADIN proposta foi julgada procedente declarando a inconstitucionalidade da expressão "que inclui a vigilância intramuros nos estabelecimentos penais", do "caput" do art. 180 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e do inciso II do mesmo artigo, com a seguinte ementa:

“Incompatibilidade, com o disposto no art. 144 da Constituição Federal, da norma do art. 180 da Carta Estadual do Rio de Janeiro, na parte em que inclui no conceito de segurança pública a vigilância dos estabelecimentos penais e, entre os órgãos encarregados dessa atividade, a ali denominada “Polícia Penitenciária”. Ação direta julgada procedente, por maioria de votos."[5]

Assim, sabiamente, o STF derrubou uma disposição em contrário a CRFB, na qual o legislador constituinte estadual criava mais um órgão de segurança pública, diferente dos já elencados por ela.

Polícia Técnico-científica: a terceira “Polícia” de vários Estados.

Existem Estados brasileiros, que na estrutura de suas Secretarias de Segurança, ou congênere, possuem órgão de polícia técnico-científica, porém não ligada a nenhum de seus órgãos de segurança pública tidos legais pela CRFB, possuindo, assim, condições de existência igual a estes.

Contudo, como já demonstrado, a segurança pública dos Estados deve seguir as regras expostas no art. 144 da CRFB, possuindo somente três órgãos estruturados, a Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar.

Estes estados, São Paulo, Bahia, Paraná e Ceará[6], põem suas estruturas de segurança pública em confronto com o ditado pela CRFB, estando sujeitos ao controle de constitucionalidade de uma possível ADIN.

Com exemplo, no Estado de São Paulo, a Constituição do Estado dispõe sobre segurança pública em seu Capítulo III (da Segurança Pública) do Título III, e no § 2º do art. 139 estabelece que a “polícia do Estado será integrada pela Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros”. A verificarmos o Art. 140, que trata da Polícia Civil, constatamos que seu § 5º trata da Polícia Técnico-Científica com a seguinte redação:


“Art. 140 - Lei específica definirá a organização, funcionamento e atribuições da Superintendência da Polícia Técnico-Científica, que será dirigida, alternadamente, por perito criminal e médico legista, sendo integrada pelos seguintes órgãos:

I - Instituto de Criminalística;

II - Instituto Médico Legal.”


A clara leitura nos leva a acreditar que a segurança pública do Estado de São Paulo é estruturada nos três órgãos permitidos, sendo que a Superintendência da Polícia Técnico-Científica está ligada a Polícia Civil, como demonstra a disposição em sua Constituição. Mas não é a realidade. A Lei Complementar Estadual n° 756/94 e Decreto Estadual 42.847/98 organizam a Superintendência da Polícia Técnico-Científica paulista sendo um órgão diretamente subordinado à Secretária de Segurança Pública, e estando afeta à Corregedoria Geral de Polícia para fins fiscalização e sindicâncias, atuando como se um órgão policial fosse.

Assim, verifica-se que a organização da Polícia Técnico-Científica paulista não está em confronto apenas com a CRFB, mas também com a própria Constituição paulista.

Como visto, algo deve ser feito para que tais legislações estaduais entrem em conformidade com a nossa Constituição.

Guardas Municipais: o verdadeiro problema.

Nossa Constituição, no § 8º do art. 144, autoriza os Municípios a criar suas Guardas Municipais. Contudo, tal autorização é para tão somente a guarda dos bens, serviços e instalações municipais, ou seja, ela só pode atuar, por exemplo, na guarda de prédios públicos municipais, apoiando uma fiscalização da Receita municipal, ou numa praça bem ornamentada pela prefeitura, contendo aqueles bustos de bronze.

Até aí tudo bem. O problema ocorre quando os guardas municipais atuam como polícia ostensiva, utilizando centrais de atendimento telefônico, carros velozes e bem vistosos (com sirene e luzes vermelhas piscando intermitentemente) e armamento letal, ou seja, armas de fogo.

Há ainda Guardas Municipais que vão além: utilizam viaturas para transporte de presos, o que deve ser feito pelos agentes penitenciários dos respectivos Estados[7]; utilizam sinais e tratamentos militares, que são prerrogativas (ou seja, privilégio, direito exclusivo) das Forças Militares[8].

Ao lado: Guardas Municipais da cidade de São Luís do Estado do Maranhão utilizando de sinais e tratamento militar ilegalmente.

Não podem, as Guardas Municipais, agir como se fossem órgãos de segurança pública, pois não são. Foi autorizada a criação delas para que os Municípios, que achem necessário a criação, possam contar com uma espécie de “empresa de segurança”, só que pública e municipal. Suas atribuições são bem expressas na CRFB, traduzindo assim a clara intenção do legislador constitucional em autorizar os Municípios em poder contar com um sistema de segurança próprio, servindo tão somente para guardar seus bens, serviços e instalações, pois, caso contrário, o legislador constitucional utilizaria a palavra "Polícia" ao invês da palavra "Guarda".

Assim, fica bem claro que o legislador deu aos Municípios o direito de compor suas Guardas com todos os direitos de ação que possuem uma empresa de segurança privada. E somente isto. Ou seja, exemplificando, uma empresa particular pode contratar uma empresa de segurança privada para proteger seus bens, serviços ou instalações. Trocando em miúdos, uma empresa privada particular pode contratar uma empresa de segurança privada para fazer a segurança de seu prédio (bens e instalações), assim como para fazer uma escolta armada (bens e serviços). A segurança particular armada só pode ser efetuada dentro do local que se situa a empresa (intramuros), pois, caso a segurança seja efetuada por fora (extramuros), esta somente poderá ser realizada desarmada.

Outrossim, fica claro o modo de tratamento que deve ser dado às Guardas Municipais. Elas podem agir armadas, em proteção aos bens e instalações municipais (sede da prefeitura, câmara dos vereadores, hospitais, escolas) e em escolta aos bens e serviços municipais (fiscais da receita municipal, fiscais de postura municipais, coleta de lixo, pessoa do prefeito). Porém, devendo agir desarmadas no caso do patrulhamento de uma praça ou outros logradouros públicos. Sou a favor de que pessoas que possuem como função pública a fiscalização, com o poder de aplicar sanções, devem ter o direito de trabalhar armadas, mas para meio de defesa de uma injusta agressão, e não como instrumento de trabalho. Nesse caso, um Guarda Municipal, atuando como agente de trânsito (única possibilidade que pode atuar como fiscal), pode sim atuar armado. Mas nunca deve ser dado ao Guarda Municipal o direito de portar armas fora de serviço pela função que exerce, podendo o mesmo ter esta autorização fornecida após passar pelo mesmo processo que qualquer outro cidadão passa para ter o direito a portar uma arma de fogo.

Infelizmente, com o advento da Lei 10.826/2003, vulgarmente chamada de “Lei do Desarmamento”, foi dado, absurdamente, aos Guardas Municipais dos Municípios das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de quinhentos mil habitantes o direito de portarem arma tanto em serviço como fora de serviço, e aos Municípios com população entre cinqüenta mil e quinhentos mil habitantes e aos Municípios pertencentes à região metropolitana do respectivo Estado, o direito de portarem armas em serviço.

Ocorre, contudo, que tal Lei deve ser mudada, pois como um cidadão com vinte e um anos de idade pode portar uma arma pelo simples fato do mesmo ser Guarda Municipal, enquanto um cidadão com vinte e três anos, advogado (ou seja, estudou pelo menos cinco anos tudo sobre legislação e conduta), ex-paraquedista militar (ou seja, possui uma extensa instrução militar e de armamentos) não pode portar uma arma (pois o cidadão de bem que quiser portar uma arma tem que esperar completar vinte e cinco anos de idade para poder solicitar aos Estado a autorização de porte de arma)? Para responder esta pergunta, deve se levar em conta que o Guarda Municipal, no porte de sua arma, não agirá diferente de um cidadão comum, também no porte de sua arma. Isto se deve ao fato de que o Guarda Municipal não é um agente de segurança pública, não tendo o dever de atuar como fosse.

Assim, deve ser criada uma legislação federal com o regramento base para as Guardas Municipais, estabelecendo claramente os limites de atuação e uma estrutura organizacional basilar.

Por fim, fica claro que certas Guardas Municipais agem na ilegalidade devendo ser aplicado a elas as sanções legais cabíveis, pois elas não são Polícias.

Brigada Militar do Rio Grande do Sul: o inverso.

Um caso inusitado é a Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul que oficialmente chama-se “Brigada Militar”. Esta instituição possui as atribuições das polícias militares previstas no art. 144 da Constituição Federal, contudo, sendo chamada, erroneamente, de Brigada Militar. Este erro, em face a Constituição Federal, vem do histórico da instituição.

A Brigada Militar do Rio Grande do Sul, formada no ano de 1837 inicialmente sob o nome de Corpo Policial da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, recebeu esta denominação no ano de 1982, pois tinha como intuito ser uma força militar estadual, já que naquela época o governador do Estado do Rio Grande do Sul, Sr. Fernando Fernandes Abbott, adotava uma política de autonomia estadual frente ao governo federal.

Contudo, após a Constituição Federal de 1988, que adota o nome "Polícia Militar" em seu art. 144, foi promulgada em 1989 a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que, em seu art. 129, faz menção ao nome Brigada Militar para a instituição que deveria ser chamada de Polícia Militar, estando em claro desconforme com a Constituição Federal.

Assim, este é o inusitado caso de um órgão de segurança pública, previsto constitucionalmente, que adota uma denominação diversa daquela prevista nos termos constitucionais, sendo o oposto do estudado no artigo inicialmente, já que, inicialmente, o artigo trata de instituições que se posicionam como sendo de segurança pública, não sendo pelo simples fato de não haver previsão constitucional para tanto. Contudo, tal caso deve ser combatido, para haver uma uniformidade nacional na denominação dos órgãos de segurança pública.

[1] Este Princípio está consagrado no caput do Art. 37 da CRFB.

[2] O DESIPE (Departamento do Sistema Penitenciário), órgão de vigilância penitenciária da então Secretaria Estadual de Justiça, foi extinto pelo decreto estadual n° 32.621 de 1° de janeiro de 2003, sendo criada, para substituí-lo, a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária, porém, como continua sendo vinculada a expressão “DESIPE” aos agentes penitenciários, neste trabalho foi decidido mantê-la.

[3] A ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias), estabelece no caput de seu art. 11 que as Assembléias Legislativas Estaduais com poderes constituintes elaborarão as Constituições dos Estados, obedecidos os princípios da CRFB, demonstrando, assim, o caráter residual do poder constituinte estadual.

[4] Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) é a ação judicial pela qual alguém (seja pessoa, empresa ou ente público) visa à declaração, por meio de decisão judicial, da inconstitucionalidade, de algum dispositivo legal, para não mais possuir efeito, devendo ser proposta no juízo competente.

[5] ADI 236 / RJ - RIO DE JANEIRO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Relator(a): Min. OCTAVIO GALLOTTI. Julgamento: 07/05/1992. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 01-06-2001 PP-00075 EMENT VOL-02033-01 PP-00001.

[6] Dados obtidos nos web sites das respectivas Secretarias de Segurança.

[7] Conforme consta no Relatório descritivo – pesquisa do perfil organizacional das Guardas Municipais, do ano de 2003, encontrado no web site da Secretaria Nacional de Segurança Pública, existe Guarda Municipais com Viaturas de Transporte de Presos.

[8] Art. 73 da Lei n° 6.880 de 1980.

Sites consultados:

Constituição Federal

(www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm);

Site da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (www.seap.rj.gov.br);

Site do Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (www.alerj.rj.gov.br);

Site do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br);

Site sobre Legislação do Estado de São Paulo (www.legislacao.sp.gov.br);

Site da Polícia Científica do Estado de São Paulo (http://www.polcientifica.sp.gov.br);

Site da Brigada Militar do Rio Grande do Sul (www.brigadamilitar.rs.gov.br);

Site da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (www.al.rs.gov.br).

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